André Gorz, em seu livro Metamorfoses do trabalho, coloca o leitor para refletir sobre a questão do trabalho na sociedade contemporânea. Já dizia Hannah Arendt: “a irreflexão (...) [é] uma das principais características de nosso tempo”. Dito isso, Gorz denota que a maneira como a sociedade funciona termina por colocar o trabalho como a principal característica definidora dos indivíduos. Isso se deve, em parte, ao tempo que gastamos trabalhando. Atualmente, a jornada de trabalho, em média, é de 40 horas semanais. Descontando o tempo que dispendemos para nos arrumar, deslocar e finalmente chegar ao serviço – e o tempo de volta para a casa ao término do expediente, percebemos que o tempo que temos para nós mesmos, o tempo para cultivar e desenvolver outras características e habilidades, é reduzido.
A consequência da falta de tempo para nós mesmos é que limitamos o escopo de nossa vida. Muitas vezes o trabalho que realizamos não é o que sonhamos ou almejamos (e ainda que o seja), por conseguinte, não nos identificamos com ele. É uma atividade que somos obrigados a realizar como fonte de sustento. O consumo compensatório aparece como o outro lado da moeda nessa questão. O desprazer do trabalho é compensado pelo prazer do consumo. Mas não é essa a questão principal dessa coluna.
Na semana passada, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) liberou estudo que mostra que as mulheres trabalham 7,5 horas a mais por semana do que os homens. O principal responsável por essa disparidade é o trabalho doméstico, no qual as mulheres dedicam maior parcela de tempo. Embora o estudo tenha indicado que essa disparidade era mais profunda no passado, não é um resultado para nos deixar aliviados, pelo contrário.
Essa disparidade é fruto da cultura machista, historicamente cultivada na sociedade brasileira. Mesmo quando figuras públicas importantes tentam exaltar as mulheres, não conseguem se livrar totalmente do machismo enraizado, como foi o caso do presidente do Brasil, Michel Temer, no discurso em comemoração ao Dia Internacional da mulher, ao afirmar que se a nação apresenta avanços, isso decorre da boa formação e educação dos filhos. Os méritos dessa educação, todavia, não deveriam ser endereçados aos homens, pois, “seguramente, quem faz isso é a mulher”. Não satisfeito, acrescentou que “ninguém mais é capaz de indicar os desajustes de preços no supermercado do que a mulher”.
A relação do trabalho de Gorz com a disparidade no trabalho doméstico é que, se sofremos pela falta de tempo para cultivarmos um outro eu, um eu fora da órbita do mercado, as mulheres estão em maior dificuldade, pois, não obstante a dedicação ao trabalho profissional, elas ainda carregam o fardo de dispender maior tempo no trabalho doméstico. Consequentemente, elas tendem a ter os seus dias limitados entre trabalho profissional e doméstico. Esse traço tende a tornar mais moroso o processo de emancipação social das mulheres, pois elas terão menos tempo para atividades culturais e de estudo (caso decidam trocar de profissão ou obter maior escolaridade). Em termos humanitários, defendidos por Gorz, as mulheres teriam menor tempo para desenvolver e aprender atividades que poderiam acarretar em maior identificação por elas e, por conseguinte, gerar maior sentido para suas vidas.