Nos últimos anos, a situação econômica da Grécia deteriorou substancialmente. Em aproximadamente dez anos, o PIB do país encolheu mais de 25% (somente no ano de 2011, essa variável despencou em 8,9%); a taxa de desemprego atingiu o patamar de 23% (sendo de 44% entre os jovens de 15 a 24 anos); a taxa de pobreza extrema, que era de 2% em 2009, pulou para 15% em 2015; o país despediu mais de 200 mil servidores públicos; e a proporção da dívida pública com o PIB se aproxima de 180%.
A Grécia é o caso mais traumático do desdobramento da crise financeira dos Estados Unidos em 2007/2008. Muitos países europeus foram afetados, mas nenhum deles chegou à grave situação dos gregos. É verdade que o país é marcado por práticas corruptas, arrecadação tributária frouxa e um governo que foi perdulário nos anos de bonança. Ainda assim, tais fatos não explicam a tragédia grega, haja vista que muitos outros países compartilham esses problemas.
Antes da explicação, recordo o leitor de que a Grécia faz parte não somente da União Europeia, mas também da Zona do Euro. Consequentemente, o país não possui um banco central que crie dinheiro. Os países que têm o euro como moeda possuem uma instituição comum responsável por emitir dinheiro: o Banco Central Europeu (BCE). Esse não é o caso, por exemplo, da Inglaterra, que apesar de fazer parte da União Europeia (considerando que medidas formais para colocar em prática o Brexit ainda não foram empregadas), pode criar o seu próprio dinheiro, pois sua moeda é a libra esterlina, sob a responsabilidade do Banco Central Inglês (Bank of England).
O Banco Central Europeu, portanto, coordena a criação do euro. Caso algum país necessite criar euro para pagar alguma dívida, essa decisão não cabe a nenhum Estado em particular, é o BCE quem decidirá. Por isso, é verídica a afirmação de que as nações que fazem parte do euro abdicam de sua política monetária. Apenas um banco realiza essa política. Há, desse modo, uma união monetária, sem, todavia, existir uma união fiscal (voltarei nesse ponto no final do texto).
Esse fato distancia o Brasil da Grécia. Na atual crise brasileira, alguns analistas alertaram para o fato de que poderíamos passar por uma experiência parecida com a grega. Pouco provável, para não dizer equivocado. Nosso país possui um banco central capaz de criar moeda. Nós temos política monetária independente. Caso a economia esteja muito fraca, o banco central pode simplesmente inundar a economia com reais e fomentar a atividade econômica (ou mesmo criar dinheiro para pagar dívidas, embora com algumas restrições).
Voltando à Grécia, a crise financeira de 2007/2008 fez com que a sua economia se retraísse e o governo aprofundasse o seu endividamento. O espaço fiscal era quase inexistente. Por pressão do FMI, do BCE, da União Europeia, da Alemanha e dos credores (o capital financeiro internacional), foi estabelecido que a Grécia receberia um resgate parcelado ao longo dos anos, com a exigência que realizasse, nas palavras do FMI, “reformas estruturais”. Essa reformas, em andamento nos dias de hoje, são o corte de despesas públicas (despedindo servidores públicos, reduzindo programas de assistência, cortes na previdência) e a elevação de impostos. O Estado grego se reduziu. Atente-se ao fato de que a economia estava em recessão, e tomou medidas que reduziriam o dinamismo econômico. Entretanto, argumentava-se que essa política de austeridade traria a confiança dos mercados de volta ao país, e ele voltaria a crescer. É a “fada da confiança”, termo pejorativo usado por economistas como Paul Krugman e Laura Carvalho, para descrever esse tipo de estratégia. Os resultados dessa política (cilada?) foram descritos no primeiro parágrafo, e perduram há quase dez anos.
Apesar desses equívocos, surgiram valiosas lições. No Fórum Econômico Mundial desse ano, após o ministro da fazenda do Brasil, Henrique Meirelles, enfatizar que o país precisa realizar reformas que acarretarão grandes sacrifícios para a população, a diretora do FMI, Christine Lagarde, abandonou o velho receituário de “reformas estruturais” e contradisse o ministro ao responder que medidas para combater a desigualdade social deveriam receber maior atenção. Quem acompanha o funcionamento do FMI ao longo das décadas sabe o quão revolucionária foi essa afirmativa.
Outra lição foi a discussão a respeito da Zona do Euro possuir uma união monetária e não uma união fiscal. Usarei o Brasil como exemplo. Caso algum estado esteja com problemas financeiros, a União pode utilizar o dinheiro arrecadado de outros estados em melhores condições e socorrer esse estado combalido (o que de fato está ocorrendo no país). Esse tipo de ação não é possível na Zona do Euro, pois não há uma instituição central responsável pela política fiscal. Todavia, percebendo os problemas envoltos nessa questão, os europeus estão debatendo medidas, como a criação de um fundo comum de resgate para países com problemas financeiros.
Por fim, o caso grego evidenciou a força do mercado financeiro para influenciar a política econômica. É um paradoxo. O governo é eleito pela população, mas governa para o capital financeiro. Obviamente, isso acarreta um enfraquecimento da democracia. As pessoas não se sentem representadas. Quem é o capital financeiro? Atualmente, o capital financeiro ditar a política pública não se restringe somente à Grécia. Não é por menos que estamos vivenciando uma onda de populismo e ceticismo com as instituições democráticas.