O meio rural no Brasil é controverso. Estamos em um país de tamanho continental, com agronegócio altamente competitivo, líder em produção e exportação em diversos gêneros alimentícios. Já li e ouvi diversas vezes que temos vocação para ser o celeiro do mundo, e cada vez mais tenho convicção disso. No entanto, ainda temos um problema de concentração fundiária e nossas práticas agrícolas muitas vezes vão contra a sustentabilidade ambiental.
O agronegócio por muitas vezes segurou a economia brasileira: quando os setores de serviços e industrial não tiveram força suficiente para crescer, o setor agropecuário apresentou taxas de crescimento relevantes para manter a economia positiva. Mesmo em momentos de recessão como o que estamos vivendo desde o final de 2014, o setor agropecuário apresentou taxas crescentes.
Avaliando o cenário internacional atual, podemos pensar em três acontecimentos importantes que podem remodelar o comércio mundial. Dois já aconteceram: a inesperada saída da Inglaterra da União Européia, que já demonstra impactos para a economia do país, como a desvalorização da libra e a saída de investidores; e a eleição de Donald Trump, que assume o comando do Estados Unidos nesta sexta-feira, 20 de janeiro, e gera grandes expectativas, devido às promessas de maior protecionismo comercial e não cumprimento de acordos internacionais. O terceiro acontecimento será a eleição na França, em maio deste ano, e que, caso a candidata de extrema direita Mari Le Pen seja eleita, põe em cheque a existência da União Europeia. Nesta coluna vou focar apenas no efeito Trump.
O ambiente de incertezas também pode ser fonte de oportunidades. Se Trump, por exemplo, não aderir ao Tratado Transpacífico, que envolve atualmente 12 países, há a possibilidade do Brasil se aproveitar disso. Analistas do agronegócio acreditam que se os EUA não aderirem, outros países podem adotar medidas de retaliação comercial contra os Estados Unidos e, portanto, criar uma brecha para produtos brasileiros, principalmente os agropecuários, em que somos mais competitivos.
Em 2014, o Brasil exportou cerca de USD$ 83 bilhões de dólares em produtos típicos do agronegócio para o mundo, sendo os dois maiores mercados a Ásia e a Europa. Por sua vez, os EUA exportaram no mesmo ano cerca de USD 160 bilhões de dólares desses produtos, sendo a maior parte deles para países da América do Norte, Ásia e Europa. Ou seja, os EUA são um grande competidor nesse mercado.
Se analisarmos a relação comercial de produtos agropecuários de Brasil e EUA com o Japão, pode-se ter uma ideia do que seria essa oportunidade. Em 2014, o Japão importou cerca de USD$ 14 bilhões de dólares desses produtos dos EUA, enquanto as compras do Brasil foram de USD$ 6,7 bilhões. Se o tratado de livre comércio do Pacífico não acontecer porque Donald Trump se recusar a assinar, o Brasil continua na disputa por esse mercado e ainda pode ter uma vantagem, caso os países resolvam fazer algum tipo de retaliação aos EUA.
Mas há um problema caso o Brasil amplie sua participação no comércio mundial de produtos agropecuários na “Era Trump”. O novo presidente dos Estados Unidos não dá muita importância para as questões ambientais, o que pode ter um efeito ruim para o mundo inteiro. Muitas iniciativas para crescimento e desenvolvimento sustentável podem perder força. Isso vale para a produção agropecuária no Brasil, que gera impacto grande na natureza, com destaque para o desmatamento da floresta amazônica. Se o principal consumidor do mundo não privilegia as formas de produção sustentáveis, podemos imaginar que não haverá incentivos via mercado para adoção de práticas mais ecológicas de produção.
O que virá pela frente com Trump na liderança dos Estados Unidos não é previsível. Existem oportunidades de expandirmos os mercados para nossos produtos agropecuários, e riscos grandes de reduzirmos nosso compromisso com a produção sustentável, que já não é lá dos maiores.
*Marcelo Borges é formado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Minas Gerais e mestre em Economia pela Universidade Federal de Pernambuco.